sábado, 26 de setembro de 2009

SERVIS AMORES SENIS

ORELHA DO LIVRO
Servis Amores Senis, de Alexsandro Souto Maior, coloca o seu autor no palco das Letras, tendo já ele a sua sólida experiência no palco da “imitação da ação”. A sensibilidade poética de seus textos do palco inunda o palco da palavra nas narrativas de Servis Amores Senis, fundindo não só lírica e drama, como também outros gêneros como a entrevista e a carta, por exemplo. Com isso, Alexsandro se insere na trajetória da liberdade de expressão-fusão dos gêneros literários, conquistada pelo Romantismo, radicalizada pelo Modernismo. As linhas limítrofes do conto cedem – em Servis Amores Senis – ao hibridismo tão característico dessa liberdade, como em Castelos e Ventos, A carta e A entrevista. Em Castelos e Ventos, por exemplo, teatro e palavra se fundem. O teatro entra em cena, no palco da palavra, do humano que encena os bastidores da vida, que faz um pai distante (re)encenar nos palcos do filho; um filho que, embora pense nos “castelos de areia” do teatro do pai, dessa vez resiste, insiste, edifica o drama dos castelos de pedra.
Já em O caso da Arapuca, um mosaico de amor frustrado é-nos apresentado, uma espécie de Tristão e Isolda às avessas. O ciúme doentio de Moacir, esse “filho da dor”, faz Glória ser mantida em cárcere privado, ameaçada de morte pelo marido. Mas não tardou a descoberta da “arapuca” de Moacir. A espada que se interpunha entre os amantes medievais, como prova do amor fiel. Em O caso da arapuca, se volta contra Moacir. A espada da integridade de Glória não a suportou no cárcere, libertando-a, fez que o amor-ciúme de Moacir entrasse em decomposição. O verme roedor da Marcela machadiana era o lucro; o de Moacir era o ciúme.
Em A valsa, um painel que sugere La dance macabre dos tempos medievos se põe aos olhos do leitor. Essa dança consiste na representação da morte personificada, que conduz homens e mulheres, independentemente do status, em direção aos seus sepulcros. Dona Madalena, a exemplo de Manuel Bandeira, em vida e em lira, vê todos os seus partirem, os quais se tornaram “a felicidade documentada de tempos idos”. Cansada dos outonos das partidas dos seus, Dona Madalena quer logo que finde o inverno, a última estação da vida. Tal como La dance macabre, Dona Madalena via que “a vida valsava na triste espera de porta aberta esperando o inverno chegar”.
Em Fim de estrada, é possível ver um espelho estilhaçado de um Narciso estigmatizado por um Complexo de Édipo. Pai e filho: qual deles terá Alice? A imagem do rio, no início da narrativa e durante o percurso do texto, sugere uma travessia de pai e filho que não redundará num afluente feliz. O espelho estilhaçado de Narciso é sugerido quando o narrador, ao se ver num rio, após matar um pombo. Após ver essa ave agonizar, sem nada fazer, mas fazendo, refazendo “os mandados de busca, de caça” do pai, “cegamente”, o rosto do menino, misturado com espinhas e pelos, mostra-se “quase desfigurado”. O possível complexo edipiano finda “quando o gigante”, o pai, cai. Vencida a disputa em sua urdidura, o filho poderá erguer Alice como uma taça, taça ambígua – a ser erguida e sorvida.
Servis Amores Senis entra em cena, sob as luzes, as câmeras e as ações de um tecido narrativo preciso, tematizando a memória, como em A entrevista. Seu José não quer que sua memória se esvaia. Contra o apagamento de sua memória, ele dá – em meio a dor, em poucas palavras – uma entrevista para registrá-las nos anais da vida. Portanto, do palco do teatro ao palco da palavra, Alexandro Souto Maior enseja o convite ao leitor. Convite dado para que este usufrua das máximas poéticas (como “O humano é perigoso no meio da tempestade” e “Os atalhos são para os pequenos”), máximas que transbordam nas narrativas desta obra.


Fernando Oliveira